A Marra Signoreli
Parabéns, você está feio.
E as nuvens, as estrelas, os céus arranhado pelos prédios,
E as moças a entreolharem nos vazios, nada mais importa
Nada, você está feio.
Um córrego passando pelos esgotos lhe compõe entre a felicidade,
Toda a felicidade só pode ser felicidade por não ser eterna,
E nada mais além de um córrego passando pelas mãos das pessoas
E a felicidade da cidade,
Mas onde está agora que nada disso lhe é completo?
A mesma escuridão de um quarto onde fico, lhe observo com inúteis lamúrias,
Em cada lágrima a luz, a lúcula luzida dos lábios da lágrima, e tudo vai como um córrego
E tudo passa com a mesma sombra de pássaro compondo a existência incompleta das coisas...
Cortou o cabelo,
Não fica bonito de cabelo cortado...
Toda a vida como um milagre surgindo através do nada além de inúmeras janelas de casas inúmeras e você não fica bonito de cabelo cortado...
Milhares de obras sendo compostas nesta capital obscura e você não fica bonito de cabelo cortado...
Para ficar bonito de cabelo cortado você precisa mais que mudar o rosto,
É preciso antes ser de metal,
Abandonar a condição humana dizendo que você não fica bonito de cabelo cortado,
Até estar longe de você a angústia, o amor, o ódio, o nome, o vazio, a escuridão e a luz, o metafísico e o imaginário além dos fios de cabelo cortado...
Mas é impossível estar longe você de tudo isso, pois então não seria você,
Poderia cortar o cabelo, queimar o rosto, arrancar o coração, quebrar as pernas, parar os olhos e cegar os pelos do nariz que você é.
E está apaixonado, angustiado, com medo, com ódio, com fome, com sede, com febre, como sempre esteve, mas agora você está feio e de cabelo cortado...
Quem é você quando anda na rua enfrentando o olhar feliz das sombras do nada?
É, pois nada existe atrás de você,
Só começando a existir a partir de seus olhos o que está atrás de você lhe olha,
Mas não é nada,
Quando o nada passa lentamente com seu som automotivo em seus ouvidos, você ouve as sombras do nada e está feio...
A típica tortura das tartarugas: lembrar lentamente da feiúra dos cascos...
A adolescência...
Um fiasco como adolescente andando a procura de uma floricultura,
Problemático, vai andando sozinho a conversar com os seres inexistentes para os que dizem existir...
(A problemática da existência é presente quando se vai em busca de flores)
Nunca este fiasco teve tamanha diversão em toda a sua vida,
Compra uma rosa, quem iria querer receber esta rosa?
Mal sabe que a rosa comprada se perdeu nos ponteiros de um relógio de pêndulo e lá ficou
Fluindo nos fantasmas de festim em cada segundo, flor física do deixado...
Não, não há pessoa na rua que queira receber esta rosa...
Nem pessoa conhecida, na agenda, e poderia procurar
Jogar a rosa num lago eletrônico e por fios e ondas e satélites ser transmitida a rosa por entre computadores modernos
E a rosa nunca sairá do velho relógio de pêndulo...
Mas ainda é jovem, tem tempo,
Tem tempo para aceitar as coisas e deixar os sonhos para o plausível,
Tem tempo para deixar de se apaixonar e deixar de comprar rosas
E deixar os vícios para dar margem a vícios mais sofisticados,
O cabelo vai crescer, tem tempo para desistir disso ou não se importar mais com isso...
Tem tempo para quando o tempo acabar ser o idoso infante de uma antiga pavana
Enquanto todos sãos os defuntos vivos desta mesma pavana citada...
Ou talvez seja sempre o fiasco de um adolescente que está feio e de cabelo cortado,
E que compra rosas e é torturado pelo nada
E as vozes da imaginação sempre cantem em coro no córrego de suas ondas nervosas
Acabando nos fios e ondas de satélite
E nos olhos da fome ficar flutuando em sede, com ódio e apaixonado
Naquele relógio de pêndulo achar a rosa comprada e perdida antes
Que fique hipnotizado pelos pés harmônicos da existência...
Pássaro de Argila